No quadro da sua estratégia de financiamento sustentável, e em linha com os compromissos da Agenda 2030 das Nações Unidas, a UE tem vindo a aprovar um conjunto de diretivas e regulamentos, que constituem a moldura legal do processo de transição para um modelo económico de crescimento baseado nos objetivos da sustentabilidade.
Não estando ainda concluído todo o quadro legislativo sobre o tema, atendendo a que, pela sua complexidade, alguns diplomas se encontram ainda em fase de preparação e discussão, há no entanto 4 peças-chave que fazem parte do Pacote de Finanças Sustentáveis, e que impactam diretamente na prestação de contas do setor financeiro e das empresas relativamente a desempenhos em matéria de sustentabilidade. São elas:
Regulamento de Divulgação de Finanças Sustentáveis
Conhecido pela sigla inglesa SFDR (Sustainable Finance Disclosure Regulation), o Regulamento UE 2019/2088 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de novembro de 2019, é um dos diplomas mais relevantes no âmbito da estratégia europeia de financiamento sustentável.
Dirigido a todos os agentes ligados ao setor financeiro, o diploma visa garantir uma maior transparência em matéria de divulgação de informação relacionada com produtos ou ativos financeiros, que passam a ser classificados em função dos riscos e impactos que comportam em matéria de sustentabilidade. Neste momento, para rotular um produto como sustentável ou garantir que cumpre critérios ESG (requisitos indexados ao nível de responsabilidade ambiental, social, e de ética na governação) é preciso comprová-lo.
O objetivo é combater o greenwashing, e facilitar aos investidores uma análise comparada e mais informada das opções de investimento que têm ao seu dispor.
O Regulamento propõe a classificação dos produtos financeiros em 3 categorias: Produtos convencionais (art.º 6.º do Regulamento); Produtos que promovem características ambientais ou sociais, mas cujo objetivo principal não é investir em sustentabilidade (art.º 8.º do Regulamento); e Produtos que têm como objetivo principal o investimento sustentável (art.º 9.º do regulamento).
Taxonomia Ambiental
O Regulamento relativo à Taxonomia Ambiental, ou taxonomia verde (Regulamento UE 2020/852), em vigor desde 12 de julho de 2020, é outra das peças-chave, que integra o pacote legislativo associado às finanças sustentáveis. O diploma cria um sistema de classificação comum, que permite identificar as atividades económicas consideradas ambientalmente sustentáveis, com contributos ativos para o Pacto Ecológico Europeu e para as metas da neutralidade carbónica.
Para cumprir o critério de ambientalmente responsável, uma atividade deverá contribuir para pelo menos um dos 6 objetivos ambientais definidos pela Taxonomia, designadamente:
- Mitigação das alterações climáticas - contributo para o controlo e redução da emissão de gases com efeito de estufa (GEE);
- Adaptação às alterações climáticas – soluções de adaptação que permitam reduzir o potencial impacto negativo dos riscos climáticos atuais e futuros sobre a atividade, as pessoas, a natureza ou os ativos da empresa;
- Utilização sustentável e proteção dos recursos hídricos e marinhos, com medidas que evitem o desperdício de recursos e prevejam a reutilização de água e garantam a redução e controlo das emissões poluentes;
- Transição para uma economia circular, com apostas na reutilização e reciclagem de materiais e resíduos;
- Prevenção e controlo da poluição, através de sistemas e medidas de proteção e controlo ambiental e de emissões poluentes;
- Proteção e restauro da biodiversidade e dos ecossistemas, através de sistemas de gestão sustentável dos recursos.
Para além de contribuir para pelo menos um dos seis objetivos ambientais elencados anteriormente, a Taxonomia determina que uma atividade para ser sustentável deverá ainda cumprir como critério adicional o facto de não prejudicar significativamente nenhum dos restantes objetivos (conceito conhecido por ‘DNSH’, na sigla inglesa), e assegurar as salvaguardas sociais mínimas, em termos de direitos humanos e do trabalho.
Adicionalmente, deverá ainda ser assegurada a conformidade das atividades com os critérios técnicos adotados pela Comissão Europeia a 27 de junho de 2023, e formalmente publicados em 21 de novembro de 2023, através dos seguintes Atos Delegados:
- Regulamento Delegado UE 2023/2485, relativo aos dois primeiros objetivos (mitigação das alterações climáticas; e adaptação às alterações climáticas);
- Regulamento Delegado UE 2023/2486, relativo aos restantes quatro objetivos definidos pela Taxonomia (utilização sustentável e proteção dos recursos hídricos e marinhos; transição para uma economia circular; prevenção e controlo da poluição; e proteção e restauro da biodiversidade e dos ecossistemas).
Diretiva de Reporte de Sustentabilidade Corporativa
Vulgarmente conhecida pela sigla inglesa CSRD (Corporate Sustainability Reporting Directive), trata-se da nova diretiva, que define as regras relativas ao reporte de informação sobre indicadores de desempenho das empresas em matéria de sustentabilidade (Diretiva UE 2022/2464).
Adotada formalmente pela UE a 28 de novembro de 2022, veio substituir a anterior Diretiva de Reporte de Informação Não-Financeira, a NFRD (Non-Financial Reporting Directive), transposta para a legislação nacional através do Decreto-Lei n.º 89/2017. Entra em vigor a partir de 1 de janeiro de 2024.
A nova diretiva vem reforçar o âmbito e os requisitos associados à obrigatoriedade das empresas reportarem o alinhamento do seu modelo de negócio com o processo de transição para uma economia sustentável e neutra em carbono. Alarga o grupo de destinatários e propõe standards de reporte (os chamados ESRS - European Sustainability Reporting Standards, em desenvolvimento pelo EFRAG - European Financial Reporting Advisory Group), como forma de garantir comparabilidade e transparência na partilha de informação. Exige que a comunicação associada aos fatores de sustentabilidade seja certificada, e passe a constar de uma secção específica dos relatórios de gestão das empresas.
As grandes empresas na Europa continuam a ser as principais destinatárias da nova diretiva, que nesta fase abrange apenas PME cotadas no mercado bolsista, desde que não sejam microempresas. No caso das PME cotadas, a obrigatoriedade de reporte formal inicia-se em 2027, com incidência sobre o ano fiscal de 2026, mas está prevista a derrogação até 2028 (ano fiscal, com publicação em 2029), desde que fundamentada.
Diretiva sobre o Dever de Diligência na Governação das Empresas
Publicada formalmente a 5 de julho de 2024, a Diretiva sobre o Dever de Diligência das Empresas em matéria de sustentabilidade, vulgarmente conhecida pela sigla inglesa CSDDD (Corporate Sustainability Due Diligence Directive), é outra das peças legislativas que vem reforçar a responsabilidade dos Conselhos de Administração das empresas no alinhamento estratégico dos negócios com os objetivos de desenvolvimento sustentável.
A gestão executiva das empresas tem o dever de assegurar que as práticas de sustentabilidade são incorporadas nas suas estratégias corporativas e que os impactos da sua atividade no ambiente, nos direitos humanos e sociais, e nos fatores de governação, estão a ser geridos e acautelados ao longo de todas as suas cadeias de valor.
Em causa está a reorientação dos negócios para a sustentabilidade, uma medida fundamental para se acelerar o processo de descarbonização da economia e o cumprimento de metas ambientais decorrentes do Acordo de Paris.
As regras vão aplicar-se numa primeira fase a empresas com mais de 1000 trabalhadores e com um volume de negócios superior a 450 milhões de euros e serão implementadas de forma progressiva num período de cinco anos, com a possibilidade de uma abordagem futura a setores específicos de alto risco.
A diretiva entrou em vigor a 25 de julho de 2024, devendo agora ser transposta para a legislação nacional dos Estados-Membros no prazo de dois anos (até 26 de julho de 2026).
A aplicação das novas regras seguirá o seguinte cronograma:
- 3 anos a partir da entrada em vigor da diretiva (até 26 de julho de 2027), para empresas com mais de 5 000 trabalhadores e um volume de negócios de 1 500 milhões de euros;
- 4 anos a partir da entrada em vigor da diretiva (até 26 de julho de 2028), para empresas com mais de 3 000 trabalhadores e um volume de negócios de 900 milhões de euros;
- 5 anos a partir da entrada em vigor da diretiva (até 26 de julho de 2029), para empresas com mais de 1 000 trabalhadores e um volume de negócios de 450 milhões de euros.
Qual o impacto da regulamentação nas PME?
Apesar de não existir ainda obrigatoriedade legal para as PME reportarem o alinhamento da sua atividade com critérios de sustentabilidade (nesta fase, o calendário de obrigações de reporte visa fundamentalmente as grandes empresas e o setor financeiro, e só as PME cotadas em Bolsa estão abrangidas pela legislação), a pressão do mercado vai naturalmente exigir que os negócios mais pequenos se adaptem à nova realidade.
As PME que estejam ou pretendam usufruir de soluções públicas ou privadas de financiamento ou capitalização, ou que se integrem, pelo perfil da sua atividade, em cadeias de fornecimento de grandes empresas, vão ser as primeiras visadas e é importante que, se ainda não o fizeram, iniciem com urgência o alinhamento do negócio aos fatores de sustentabilidade, e comecem a trabalhar em indicadores e métricas que alimentem os fluxos de informação, que lhes vão começar a ser exigidos neste domínio.
O setor financeiro, através da banca, fundos de investimento, gestores de ativos, ou outros, é obrigado a reportar como está a alocar o capital em matéria de critérios de sustentabilidade, e por esta via vai necessitar de recolher dados das empresas sobre a forma como estas estão a gerir os chamados indicadores ESG (responsabilidade ambiental, direitos humanos e sociais, e ética governativa), no contexto das suas atividades.
Também no acesso a soluções de apoio público ao investimento, com recurso a cofinanciamento comunitário, as PME vão ter que provar que a sua atividade cumpre o requisito de ‘não prejudicar significativamente’ o ambiente, à luz dos critérios definidos pela taxonomia verde da UE para atividades ambientalmente sustentáveis.
As grandes empresas estão obrigadas a reportar o seu alinhamento com a taxonomia europeia e a responsabilizar-se por envolver e assegurar que o mesmo está a ser cumprido por todas as partes que integram as suas cadeias de fornecimento. Muitas destas partes são pequenas e médias empresas, que se não cumprirem as exigências em matéria de sustentabilidade correm riscos sérios de ficar fora do mercado.
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Consulte também:
> Qual o calendário de implementação da regulação sobre finanças sustentáveis?
> O que são os ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável?
> Quais são as PME que vão ser afetadas no imediato?
> Sobre que entidades incide a Taxonomia Verde?
> O que são fatores ESG?
> Sobre que indicadores ambientais e sociais podem as PME ser questionadas pelo mercado financeiro?
> O que envolve o princípio do DNSH – ‘Do No Significant Harm’?
> O que é considerada uma atividade sustentável?
> Como estão estruturadas as novas normas europeias de reporte da sustentabilidade (ESRS) já apresentadas pelo EFRAG?
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